Deste espaço...

Aqui cadastro os livros que venho lendo e relendo. Falo daqueles que amei e de alguns, que nem tanto. Comento os acontecimentos pelo qual a história foi criada, a autoria da obra e algumas de suas particularidades. Dou uma notinha demonstrando quão prazeroso ou enfadonho foi a leitura...

quarta-feira, 4 de março de 2015

RUBEM ALVES

HOJE,  VOU POSTAR UM TEXTO DO RUBEM ALVES , SIMPLESMENTE DIVINO, que está impresso no livro " As Melhores Crônicas de Rubem Alves" 2009
                                                                
          
                                               O BATIZADO

              " Sérgio, meu filho, me fez um pedido estranho.  Pediu-me que preparasse um ritual para o batismo da Mariana, minha neta.   Eu lhe disse que, para se fazer tal ritual , é preciso acreditar.   Eu não acredito.   Já faz muitos anos que as palavras dos sacerdotes e pastores se esvaziaram para mim, muito embora eu continue fascinado pela beleza dos símbolos cristãos, desde que sejam contemplados em silêncio.

                Ele não desistiu e argumentou : "Mas você fez o meu casamento..."  .   De fato.  Lembro-me de como ele "encomendou" o ritual: "Pai, não fale as palavras da religião! Fale só as palavras da poesia!" E assim foi. Foram textos do "Cântico dos cânticos" , poema erótico da Bíblia, que deixa ruborizadas as faces dos beatos e beatas: "Teus seios são como dois filhos gêmeos de gazela! (...) Teus lábios gotejam doçura, como um favo de mel, e debaixo da tua língua se encontram néctar e leite..." . Divirto-me pensando na cara que fariam  Papa e bispos se lessem esses textos... Seguiram-se textos do Drummond, do Vinicius, da Adélia - tudo terminando não com a chatíssima "Marcha nupcial", mas com a "Valsinha", do Chico, ocasião em que os convidados, moços e velhos, pegaram os seus pares e trataram de dançar.  Foi bonito.  Quando a coisa é bonita, a gente acredita fácil.
                  Lembrei-me, então, de um trecho do livro Raízes negras - onde se descreve o ritual de "dar nome" ao recém-nascido, numa tribo africana.

                      Omoro, o pai, moveu-se para o lado de sua esposa, diante das pessoas da aldeia  reunidas.  Levantou então a criança e, enquanto todos olhavam, segredou  três vezes nos ouvidos do seu filho o nome que ele havia escolhido para ele.  Era a primeira vez que  aquele  nome estava sendo pronunciado como nome daquele  nenezinho.  Todos sabiam                      que cada ser humano deve ser o primeiro a saber quem ele é. Tocaram os tambores. Omoro segredou o mesmo nome no ouvido de sua esposa,  que sorriu de prazer.  A seguir  foi a vez da aldeia inteira:  "O nome do primeiro filho de Omoro  e Binta Kinte é  Kunta !"  Ao final do ritual, após desenvolvidas todas as suas partes, Omoro,  sozinho, carregou seu filho até  os limites da aldeia e ali levantou o nenezinho para os céus e  disse suavemente: "Fend kiling dorong leb warrata ke iteb tee" (Eis aí a única coisa  que é maior que você mesmo!)

                    Esta memória me convenceu e tratei de inventar um ritual de "dar nome", já que nenhum eu conhecia que me agradasse.
                    Organizei o espaço da sala de estar.  Empurrei a mesa central, baixa, na direção da lareira.  À cabeceira coloquei um banquinho velhíssimo- ali a Mariana se assentaria.   Ao lado, duas cadeiras, uma para o pai, outra para a mãe.    Na ponta da mesa, uma grande vela.  è a vela da Mariana, vela que a acompanhará por toda a sua viada e que deverá ser acesa em todos os seus aniversários.   Ao lado da sua vela, duas velas longas, coloridas.  E, espalhadas pela sala, velas de todos os tipos e cores.  Na ponta da mesa, ao lado da vela da Mariana, um prato de madeira com um cacho de uvas.
                  Reunidos todos os convidados, começou o ritual.  Foi isso que eu disse: "Mariana: aqui estamos para contar para você a estória do seu nome.  Tudo começou numa grande escuridão".  As luzes se apagaram enquanto, no escuro, se ouvia o som da flauta de Jean Pierre Rampal.
                 "Assim era a barriga da sua mãe, lugar escuro, tranquilo e silencioso.   Ali você viveu por nove meses.  Passado esse tempo, você se cansou e disse : 'Quero ver luz!'.  Sua mãe ouviu o seu pedido e fez o que você queria.  Ela 'deu à luz', Você nasceu."
                  A mãe e o pai da Mariana acenderam então a vela grande, que brilhou sozinha no meio da sala.
                 Veja só o que aconteceu!  Sua luz encheu a sala de alegria.  Todos os rostos estão sorrindo para você.  E por causa desta alegria, cada um deles vai, também, acender a sua vela."  
                Aí o padrinho e a madrinha acenderam as velas longas coloridas, e os outros todos acenderam, cada um, uma das velas espalhadas pela sala.
                À chegada dos convidados, eu havia dado a cada um deles um cartãozinho, onde deveriam escrever o desejo mais profundo para a Mariana.  Continuei :
                "Você trouxe tanta alegria que cada um de nós escreveu, num cartãozinho, um bom desejo para você.  Assim, pegue esta cestinha.  Vá de um em um recolhendo os bons desejos que eles escreveram.  Esses cartõezinhos, você os vai guardar por toda a sua vida..." .
                E lá foi a Mariana com a cestinha, seus grandes olhos azuis, de um em um, sendo abençoada por todos.
                "Todos deram para você uma coisa boa", eu disse depois de terminado o recolhimento dos cartões.  "Agora é a hora de você dar a todos uma coisa boa.  Você é redondinha e doce como uma uva.  Essa é a razão para este cacho de uvas.  E é isso que você vai fazer.  Seus padrinhos vão fazer uma cadeirinha e  você, assentada na cadeirinha, vai vai dar a cada um deles um pedaço de você, uma uva doce e redonda..."
                E assim, vagarosamente, a Mariana celebrou, sem saber, esta insólita eucaristia: "Esta uva doce doce e redonda é o meu copo..."
             
               Terminada a eucaristia, eu disse a Mariana:
"Agora, chegando ao fim, cada um de nós vai dizer o seu nome.  Preste atenção.  O nome é um só.  Mas cada um vai dizê-lo com uma música diferente.  Porque são muitas e diferentes as formas como você é amada."
             
               E assim, iluminados pela luz das velas, cada um dos presentes, olhando bem dentro dos olhos da menina, ia dizendo: "Mariana", "Mariana", "Mariana", "Mariana"...
               Aqueles que olhavam os olhos da Mariana puderam ver que, à medida que ela ouvia o seu nome sendo repetido, eles iam se enchendo de lágrimas...


NOSSA !! QUE SHOW !!

Após esse texto ... só nos resta  ler as outras  crônicas do autor.  MARAVILHA !

Um comentário:

  1. simplesmente me fez chorar...que maravilhoso!!! que divino!!!!!! UAUUUUUUU!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

    ResponderExcluir